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domingo, 29 de novembro de 2015

Um teaser do meu romance 'O arquivo dos sonhos perdidos'


Seguiram pela floresta por muito tempo até que alguma coisa diferente acontecesse. Yan se certificou algumas vezes de que Lavínia realmente soubesse o que estava fazendo, mas quando ela disse que estariam próximos ao rio Ämazon e que em breve avistariam uma entrada subterrânea para uma caverna e sua previsão se concretizou, o general renovou sua dose de paciência e quedou-se quieto.

Um a um, entraram na abertura vertical — onde se era possível descer por saliências encravadas na pedra, usando mãos e pés ao mesmo tempo — e seguiram em fila indiana, a única maneira possível. Yan iluminava com uma lanterna o caminho de Lavínia, que seguia sempre à frente, e Jess iluminava o chão irregular para si e para Farouk, que respirava profundamente e com gosto.

— Esse ser o cheiro da vida — dizia o acádio. — Farouk se sentir quase em casa agora. Em Akkadia não ter essa umidade toda no ar, mas Farouk se contentar assim mesmo.

Passaram por muitas bifurcações, curvas e ascensões e descidas, e Jess estava certo de que veria, a qualquer momento, caveiras de desbravadores medievais que morreram perdidos naquele túnel, mas não viu mais que pedras, escuridão e aranhas pernudas. Andaram por horas naquela trilha, e por mais de uma vez tiveram que parar para restabelecer as forças, com água, comida e pés para cima, no caso de Farouk. Por fim, quando imaginaram que já não teriam forças para enfrentar uma subida — quase uma escalada — que já lhes consumia praticamente uma hora, viram enfim a luz do dia. Mesmo Farouk pareceu grato por poder armar sua barraca e dormir, ainda que na superfície.

Acordaram (inclusive Lavínia) muito tempo depois, mas completamente refeitos. Um torpor parecia agora invadir seus pensamentos quando tentavam se lembrar do caminho feito na trilha subterrânea, e tudo parecia ter ocorrido há muito tempo atrás. Pareciam ter dormido por dias. Farouk observou que a falta das informações mais básicas de seus neuronet reforçava essa impressão, mas acabou por decidir que estava com fome demais para pensar nisso àquela hora da manhã, ou da tarde, tanto fazia.

Após se alimentarem e obedecerem às suas necessidades básicas, retomaram a marcha. Curiosamente, a trilha era bem mais nítida agora, o que de modo algum tornava mais fácil chegar ali. Caminharam por mais umas duas horas, até que a trilha fez uma virada brusca para a direita. Lavínia se certificou que todos iriam exatamente por onde ela dizia, e então solicitou que parassem. À frente dos outros três, a celta afastou a vegetação e ultrapassou-a, sumindo de vista. Antes que Yan se manifestasse, ela chamou-os. Repetiram o que ela fizera, adentraram os arbustos e não acreditaram no que viram.

Do outro lado de um abismo, Manäws, a milenar capital dos celtas tropicais, dividia uma esplendorosa queda d’água em duas com suas torres tão verdes quanto a mata ao seu redor.

*

— É maravilhosa — foi tudo o que Jess conseguiu dizer, extasiado com a visão da gigantesca capital celta.

— Agora entendo por que é praticamente impossível chegar aqui — disse Yan, vendo a simbiose perfeita da cidade com a mata.

Se as torres eram continuações das árvores ou se as árvores é que eram complementos às torres, não era certo precisar. Mesmo os tons dos materiais usados para erigir as construções eram semelhantes às cores da floresta. Se não fora a deusa Lascia da beleza a responsável por erguer aquela cidade, conforme diziam algumas lendas, ela certamente ficara orgulhosa da realização.

Por sobre cada uma das cachoeiras que emergiam à frente da cidade, duas belíssimas pontes em arco ligavam uma imensa torre vertical às outras torres marginais — as torres de vigia, explicou Lavínia. Farouk ficou um tanto cético quanto a ver figuras furtivas (como Yan, mas ele não quis dizê-lo) em meio à mata, mas a celta deu uma risadinha levemente cínica.

— Eles enxergam; não se preocupe — disse.

Jess tentou avaliar a altura do penhasco que os separava da capital, mas seu neuronet ainda nada mostrava. Percebeu o quanto era refém daquela tecnologia; sem ela, julgava ter ali uns duzentos metros de queda livre, mas não apostaria um rim naquilo. Aliás, por falar em retirada de rins, o que os “Dons” da vida não pagariam por um sistema de bloqueio assim… Não; não alguém como o Don; aquele tipo de criatura jamais teria tanto dinheiro. Certamente, nas esferas mais altas qualquer coisa desse tipo já foi bolada… Mas que dava para fazer uma grana, dava.

— Cento e quarenta e quatro metros — disse Lavínia, acompanhando Jess no olhar ao penhasco. — Te conheço, Jess. Aposto que era nisso que estava pensando.

Por um momento, Jess voltou a ver a Lavínia urbana por trás daquela Lavínia céltica que se instalara nela nos últimos dias. Ele riu.

— Aí é que você se engana — disse.

Lavínia apenas sorriu de volta, e chamou-os a prosseguir.

Os quatro acompanharam a trilha que margeava o penhasco, seguindo cada curva do rio que lá embaixo fazia o que os rios fazem de melhor: cavar a pedra por séculos e séculos, abrindo fendas, cânions e vales, até o que os homens os destruam. Logo se aproximaram de outra ponte em arco, que ligava duas extremidades mais próximas do desfiladeiro. Um alto vigia celta se aproximou, e os três homens ficaram admirados com sua indumentária. Usava uma túnica verde-folha que ia até os joelhos; botas longas e escuras e uma proteção sem mangas de couro claro. Tinha ainda um elmo alongado, donde escorria seu cabelo preto (avermelhado?) e liso atrás e preso em duas tranças grossas na frente, e um grosso colar de ouro. Como os celtas abominavam o uso das armas de fogo, carregava uma espada longa numa bainha de couro preto.

Bore da, Läni — disse ele, abraçando Lavínia polidamente. Saudou os outros com um aceno de cabeça. — Disseram-me que havia voltado; quis ver com meus próprios olhos — acrescentou no idioma comum.

Esse costume celta deveria ser de praxe em todo o resto do mundo “civilizado”, pensou Farouk, que já lera sobre a tradição de jamais esconder o assunto de quem estivesse ouvindo.

Bore da, Mënon — disse Lavínia. — Voltei, mas por pouco tempo. Preciso ver Juno.

— Depois que você ligou, ele não saiu mais — riu Mënon. — Precisa ver a alegria quando me disse. Mas vamos, são todos convidados hoje. Gaia bendithia ei ddyfodiad!*



* Em céltico manawar, Gaia abençoa sua chegada.

sábado, 28 de novembro de 2015

Mistborn - Nascidos das brumas vol. 1: O Império Final, de Brandon Sanderson


Pra começar logo com os dois pés no peito: de todas as muitas fantasias que eu li, Mistborn agora só perde para O senhor dos anéis e As crônicas de gelo e fogo. Pronto. Leia o restante do post ciente de que você vai encontrar uma rasgação de seda só.


Tudo nesse livro é foda. Os personagens do grupo, a trama com suas viradas, o sistema de magia, o mundo, o vilão, os coadjuvantes, o tom do livro, tudo mesmo. Não consegui encontrar uma falha, uma inconsistência, um algo que poderia ser melhorado. Li, inclusive, esse livraço de 600 e tantas páginas mais rápido do que eu li muitos de 200 ou menos. Com certeza Brandon Sanderson é tão foda quanto o Thiago e a Melanie do podcast Agentes do LIVRO tentam nos fazer acreditar. Embora não haja um "estilo de escrita" que o diferencie tanto — como é com Saramago, Gaiman, Victor Hugo —, Sanderson é um mestre da narrativa. Ele escreve de maneira muito fluida, e conseguiu, pelo menos nessa obra, construir uma história em que há coisas sempre acontecendo, num ritmo gostoso, sem atropelos e sem "barriga".

A trama de Mistborn - Nascidos da bruma vol. 1: O Império Final é até simples. (Antes, que nome grande hein Leya? Não podia deixar só o Mistborn vol. 1: O Império Final não, tinha que traduzir? Ou até mesmo deixar só o Nascidos das brumas...? Enfim.)  Ao contrário do que geralmente acontece nas histórias de fantasia, onde o herói da profecia vence o mal, aqui temos o contrário. O herói perdeu, e o mal tomou conta do mundo. E isso já há 1.000 anos. Em decorrência disso, surgiu uma sociedade extremamente dividida, entre os ricos nobres e os pobres skaa — e é desse segundo grupo que vem a revolta, claro. Alguns deles — a incrível Vin, o cativante Kelsier, o correto Yeden, o singular Brisa, o poderoso Hammond e o taciturno Trevo — se unem em um plano incrivelmente estúpido para mudar o sistema.

Apesar de ser o primeiro livro de uma trilogia, é, de certa forma, uma história fechada. Se o leitor quiser, nem precisa procurar o resto; o final é altamente satisfatório. Contudo, duvido que qualquer um que leia O Império Final pare por aí mesmo — o negócio é muito bom!

Só não ganhou 6 estrelas no Skoob porque só vai até 5 :)

Vin e Kelsier, por Shilesque

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Um trecho marcante de Lúcio Manfredi


— Me admira muito um crânio que nem você não saber quem é Chuang-Tzu. Até eu sei quem é Chuang-Tzu. 
E como o momento requer uma pausa dramática e essa é uma concessão que ele não se importa de fazer pelo bem da cena, é só no final do parágrafo que Max arremata: 
— Só não sei muito bem quem sou eu. 
No ato se arrepende, primeiro porque já disse isso e a repetição arruína a punch line, e segundo porque um fiadaputa oportunista tenta lhe roubar a cena, se aproveita da pausa para provocar um ruído no andar de cima e se tem uma coisa que Max não precisa nesta casa estranha é um ruído no andar de cima, inda mais um ruído que soa como um índio sussurrando acanga tatá. Max garra na arma e vai investigar, sem parar para refletir que a estranheza maior do ruído é que, sentado na cozinha do andar de baixo, ele tenha conseguido ouvir uma palavra sussurrada no andar de cima.
Lúcio Manfredi - Encruzilhada