Postagem em destaque

Links para a obra do Rahmati

Nesse post você tem acesso a todas as minhas obras publicadas :) Os links para compra / leitura / download estão embaixo de cada imagem. ...

sexta-feira, 16 de março de 2018

Um trecho marcante de Eça de Queirós


E deleitava–se nas recordações do colégio! Que bom tempo! 
— Lembras–te quando estivemos de mal? 
Luísa não se lembrava… 
— Por tu teres dado um beijo na Teresa, que era o meu sentimento — disse Leopoldina. 
Puseram–se a falar dos sentimentos. Leopoldina tivera quatro; a mais bonita era a Joaninha, a Freitas. Que olhos! E que benfeita! Tinha–lhe feito a corte um mês!… 
— Tolices! — disse Luísa corando um pouco. 
— Tolices! Por quê? 
Ai! era sempre com saudade que falava dos sentimentos. Tinham sido as primeiras sensações, as mais intensas. Que agonia de ciúmes! Que delírio de reconciliações! E os beijos furtados! E os olhares! E os bilhetinhos, e todas as palpitações do coração, as primeiras da vida! 
— Nunca — exclamou — nunca, depois de mulher, senti por um homem o que senti pela Joaninha!… Pois pode crer…

Eça de Queirós – O primo Basílio (1878!)

sexta-feira, 2 de março de 2018

Primeiros contos da “Some of the best from tor.com 2016 edition”


Comecei há algum tempo a ler os contos da antologia de contos de 2016 lançados separadamente pela tor.com, mas como leio devagar as antologias e coletâneas — gosto de digerir os contos antes de partir para o próximo —, vou falar aqui dos primeiros da coletânea.

Mas, antes, uma constatação: eu ADORO essas capas dos contos da Tor :D


Começamos pelo conto Clover, da Charlie Jane Anders. Esse conto é muito interessante: conta a história do casal Anwar e Joe através dos olhos de Berkley, um gato que é dado aos dois um dia depois de se casarem, com a promessa de que teriam nove anos de sorte desde então. Após esse período, Berkley vê o casamento dos donos entrar em colapso e, para piorar tudo, a chamada de uma nova moradora, a gatinha do título, Clover, para disputar o seu espaço. No entanto, Clover alega já ter sido uma humana. É um conto muito bem escrito — para os padrões de quem está começando a ler em inglês e pode avaliar pouco isso — e muito bem ritmado em sua trama.

* * *


The art of space travel, da Nina Allan: Um conto mais longo e excelente. Narra, em primeira pessoa, a história de Emily. Ela trabalha em um hotel que está para receber, como hóspedes, dois astronautas que estão indo para Marte, em uma viagem só de ida. É a segunda tentativa de fazer isso, porque a nave espacial da primeira sofreu um acidente e não chegou ao destino. Além disso, a mãe de Emily sofre de Alzheimer, e guarda o mistério de quem é o seu pai — e tudo está interligado, de uma forma ou de outra.

* * * 


The destroyer, da Tara Isabella Burton: Aqui conhecemos a história de uma menina nascida por geração espontânea através das artes de uma cientista meio maga, que passa a trabalhar para o César de uma Roma retrofuturista (pelo que entendi, hehe). Essa cientista transforma a filha, clone dela mesma, cada vez mais em uma androide, substituindo aos poucos suas partes orgânicas, e, refletindo o modo como trata a filha — nada nunca está bom o suficiente — ela passa a ambicionar cada vez mais com suas invenções, ao ponto de mudar o mundo. Pelo jeito essa coletânea só vai ter contos ótimos.

* * *


Traumphysik, da Monica Byrne: A personagem principal é uma cientista militar que é mandada para um atol, durante a Segunda Guerra Mundial. Lá, ela começa a desenvolver um estudo das leis da física dentro do mundo dos sonhos — por isso traumphysik, em alemão (o marido dela é alemão) ou dream physics: física dos sonhos. É um conto maluco, como deve ser para falar de sonhos, e o final é inesperado. Muito bom também.

* * *


The high lonesome frontier, da Rebecca Campbell: Para onde a água corre? Esse é o título da, digamos, música–tema do conto, inspirada por descobertas da ciência, e esse conto é a história de sua composição, perdida no tempo, passando por todas as suas regravações e as impressões e/ou modificações que a música trouxe aos ouvintes ao longo do tempo, de 1902 até 2068. É uma narrativa fragmentada e muito interessante. Embora não seja unanimidade entre os leitores, eu curti bastante esse conto.

* * *


Lullaby for a lost world, da Aliette de Bodard: Esse foi o conto que eu menos gostei até agora. Escrito em segunda pessoa, ele mostra a história de uma menina que foi morta por um feiticeiro, dono de uma mansão, e enterrada nos fundos da propriedade. Isso parece fazer parte do ritual que lhe traz seus poderes, inclusive, e a menina não é sua única vítima. Apesar de não ser um conto ruim, de forma alguma, seu azar é vir após os anteriores; é muito simples se comparado a eles.

* * *

Bom, é isso aí — esse foi o primeiro dos posts falando dos contos dessa antologia. Se você consegue ler em inglês, recomendo que compre esse e–book, especialmente porque ele está de graça na Amazon. A editora Tor faz a antologia dos contos publicados desde 2013, e esse ano, 2016, é o único que não está sendo cobrado, então aproveite enquanto pode.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Leituras de Fevereiro


Esse mês foi um mês prolífico, haha! É que eu estava de férias, e como não viajei, aproveitei para ler o máximo que podia :) — e, na verdade, tem bastante coisa porque li alguns contos soltos também, e, como não falo deles nas retrospectivas anuais, vou aproveitar para divulgá–los por aqui.


Vamos às leituras do mês, então.


LIVROS:


E, finalmente, li esse clássico! Do autor, já tinha lido A revolução dos bichos, então sabia da qualidade da prosa do autor, mas, por qualquer motivo, estava postergando a leitura desse 1984. Honestamente, eu não sei o que esperava desse romance, mas acho que não esperava algo tão atual assim… Pode ser que em outros países o livro funcione mais como um aviso, mas, aqui no Brasil, é como se fosse uma mera extrapolação do que já está acontecendo… O emburrecimento das massas para a tomada do controle… A vigilância quanto às práticas — se não por parte do governo, por parte de seus “minions”… A instauração de um grande líder como salvador do povo… A lavagem cerebral como medida mais eficiente para que não se questione o sistema, e sim o veja como a única solução possível. Acabou sendo um livro que me deixou mais triste do que eu esperava. Uma coisa que eu não esperava era que houvesse romance no livro, e ele foi tão bem conduzido e realista que acaba me fazendo admirar ainda mais o Orwell enquanto escritor do que antes. A capa dessa edição é meio estranha, mas sei que isso é uma opinião que envolve gosto — logo, subjetiva.

* * *


Primeiramente, preciso falar: que capa LINDA esse livro tem! Sério, demais mesmo! E sabem o que é melhor? A qualidade dos três contos que o compõem acompanha a qualidade da capa :D

O desejo de ser como um rio, que dá título ao livro, é um conto profundo e melancólico, e descobrir o que significa o título é um deleite a mais. A escrita da autora é muito precisa, e passa muito bem tanto as cenas quanto os sentimentos que quer causar no leitor. Foi um conto que mexeu muito comigo, justamente por causa do tema — a morte. Quem me conhece sabe que a finitude da vida é um tema que me incomoda muito. O segundo conto, Amigas infláveis, é muito divertido, e com um toque de ironia que é delicioso. Mais uma vez, a escrita é precisa e gostosa, e as situações apresentadas na trama seriam “apenas” muito divertidas, se não trouxessem uma reflexão tocante sobre o envelhecimento e a solidão. Agora, no último, A mulher na bacia de água e sal, eu confesso que fiquei perdido. A mensagem do conto não é difícil de ser apreendida, mas acho que precisa de mais uma leitura para sua “trama” ser apreendida melhor…

De qualquer forma, ficou muito forte a vontade de ler o livro de novo para absorver melhor os detalhes dos três contos, porque mesmo no mais simples deles, as “pequenas coisas” são inúmeras. A escrita da Claudia Dugim me parece tão rica que, quanto mais for relida, mais forte fica.

* * *


Confesso que já fazia um bom tempo que um livro de ficção científica não me deixava “boiando” na explicação da ciência nele usada — ou seja: já fazia um bom tempo que eu não lia um livro de FC realmente inovador, então. Não que o tema desse aqui o seja: é um tema repetido à exaustão (e quais não são?). O que é diferente é todo o resto — a ambientação; o modo como o “problema” é apresentado; a imaginação em relação às… inovações biológicas, vamos dizer assim, relacionadas ao problema dos três corpos; a tecnologia usada pelo “vilão”… São bastantes coisas que me surpreenderam positivamente nesse livro, e só não posso dar mais detalhes para não revelar os segredos da trama — e descobri–los é um dos maiores atrativos da leitura desse romance do chinês Cixin Liu. Que bom que as editoras estão traduzindo mais obras de FC contemporâneas, e espero que isso não pare nunca mais. (E também espero que a editora publique a última das duas continuações, que o autor menciona no posfácio — a primeira delas já foi publicada, chamada A floresta sombria —, porque a história já me conquistou.)

* * *


Autoridade é o segundo livro da trilogia Comando Sul e continuação direta de Aniquilação, do autor Jeff VanderMeer. O primeiro livro, como vocês podem ver aqui, foi escolhido como o melhor livro internacional que li em 2016. Autoridade, no entanto, muda bastante o foco da narrativa. Se em Aniquilação o foco é na 12.ª expedição à Área X, aqui acompanhamos o personagem de codinome “Controle”, o novo diretor do Comando Sul — a agência paragovernamental que tenta entender a Área X. O problema é que ele meio que “cai de paraquedas” na história toda, e, além de ter que desvendar o mistério da área anômala, tem que prosseguir com a investigação iniciada pela antiga diretora — não vou dizer o porquê para não dar spoiler —, conhecer os funcionários do Comando Sul, interrogar uma das sobreviventes da 12.ª expedição… e reportar suas atividades e o que descobriu — o que, praticamente, nem ele consegue resumir.

É um livro bem mais lento do que o anterior, mas o desenvolvimento da trama é essencial para absorver o nível de terror dos momentos finais do romance. Absorver, não entender — porque o terror em Autoridade acontece num nível tão absoluto que deixa a conclusão da história tão difícil de especular que, para mim, literalmente qualquer coisa será possível a partir de agora. É com o nível de expectativa no máximo que vou iniciar a leitura de Aceitação, o terceiro volume — e vou fazer isso imediatamente, aproveitando que tenho os três lindos volumes físicos que compõem a história.

* * *


A máquina de contar histórias é a primeira coisa que li do autor Maurício Gomyde. Provavelmente não vou ler nada mais. Não que o livro seja ruim: é bom. É só que não é para mim. Claro que chorei no final, porque sou uma moleza de uma manteiga derretida, mas achei a história clichêzenta até falar chegar, a escrita brega, o personagem principal que parece o tiozão do pavê (o que não quer dizer que ele seja mal construído, ou qualquer das outras personagens), a história cheia de lições de moral… Enfim, não é mesmo para mim.

* * *


E esses dois e–books estão juntos porque foram os abandonos do mês — e, ambos, embora de gêneros diferentes, pelo mesmo motivo: por causa dos clichês. Até alguém se machucar é uma novela de romance erótico, e com ela aconteceu a mesma coisa de todas as vezes em que eu tentei dar uma chance para esse gênero: tudo é pretexto para as pessoas transarem. Olharam um pro outro? Sexo. Trombaram na rua? Sexo. Duelaram até a morte num pântano mortal? Sexo. Ainda se tivesse trama… Agora a outra novela, Os cavaleiros do inverno, até que estava indo bem: a autora escreve bem (as duas escrevem), a história parecia promissora, começando com um mistério… mas, quando vi que a protagonista relutante adolescente ia descobrir ser, na verdade, uma bruxa herdeira de um trono em um reino mágico, cuja verdade lhe fora ocultada possivelmente para que fosse protegida… ah, já deu pra entender, né? Desculpem, mas ambas as histórias não são pra mim.

* * *

CONTOS:





Banquete para fantasmas, do M. M. Schweitzer: Já tinha esse e–book há um tempo no meu Kindle, ainda na época que eu tinha só o aplicativo, e, apesar de ter achado a premissa interessante, não tinha me animado a ler ainda. Acontece que, lida, a história — e o mundo onde ela se passa — é muito mais interessante do que parecia! No mundo criado — Morserus — não existem humanos; os animais é que são antropomorfizados. Eles tem uma civilização essencialmente semelhante à nossa, mas a magia tem espaço nela. Nessa história, um (ao que parece) investigador sobrenatural é convocado para resolver o mistério de uma ricaça, onde fantasmas se reúnem à noite para banquetearem na sala de refeições. O que eu mais gostei, contudo, foi o clima sério, decadentista — poderia dizer noir — do conto, e, ainda que o e–book apresente erros de revisão, o tom do mundo me motivou a procurar mais histórias nele passadas. A parte boa é que todos os contos estão de graça na Amazon. O próximo que vou ler chama–se O mercador de sonhos.

La gran nevada, do Holden Centeno: Esse conto (em espanhol) sobre o Natal me agradou bastante. O protagonista conta uma história de um Natal ocorrido há muitos anos, no ano da tal grande nevasca. É um conto intimista, bastante emocional e bem escrito o suficiente para que nos importemos com os personagens. Na trama, o protagonista vai passar o feriado com os tios, em sua cabana afastada, e descobre o porquê de ela ser toda cercada por salgueiros–chorões — a árvore que está na capa, que, aliás, representa muito bem os elementos da história criada pelo autor. Essas árvores, com o desenrolar da trama, levam a um desfecho emocionalmente devastador, muito tocante mesmo, daqueles que dão um nó na garganta, mas eu não posso revelar mais do que isso sem estragar a experiência de quem vai ler. (E, se você souber só um pouquinho de espanhol, acho que já dá pra ler de boa; se agarra nas semelhanças com o português, pega o sentido geral da frase e toca pra frente :P) Quando eu o comprei na Amazon estava de graça; se ainda estiver, corre lá que vale muito a pena.

A moldura vazia, do Bruno Martins Soares: é um conto sobre o buraco que a morte de uma pessoa deixa na vida dos que o cercam. É um conto melancólico e por vezes brutal, alegórico mas realista, que evoca aquela sensação que às vezes temos de estarmos vendo nossa vida com um olhar de fora da cena, de parecer que perdemos o controle dos nossos passos… É um conto que retrata bem um sentimento que é familiar a todos que perderam alguém — o de ter um quadro chamativo, que ocupa um grande lugar na parede, mas que não retrata mais nada.

If at first…, do Peter F. Hamilton: uma história muito boa sobre viagem no tempo. Um cara é preso por ter invadido o laboratório de uma empresa de pesquisas de um milionário do ramo — só que as coisas não são tão simples: ele diz estar atrás dos planos de uma máquina do tempo que esse milionário estaria desenvolvendo. A princípio, os policiais que o estão interrogando não acreditam em nada do que ele diz, obviamente, mas ele acaba conseguindo uma única chance de provar que diz a verdade… e é aí que as coisas dão errado. É um conto curto, e vale muito a pena — principalmente porque está de graça na Amazon. Se você consegue ler em inglês, não perca tempo. (O e–book tem também um trecho de um romance do autor, que eu não li.)

Metastasis, do Jacques Barcia: Apesar de ser de um autor brasileiro, é um conto escrito em inglês. É uma história de fantasia, embora não seja — é como se fosse uma metáfora. A trama é simples: uma quimera descobre que tem câncer, e decide percorrer o mundo em busca da cura. No entanto, entre lutas e perdas, ela descobre que o mundo não é um lugar fácil, e que nele você acaba confrontado com verdades difíceis de aceitar. Se você for ler, pode ser que ache o conto confuso no começo, mas prometo que no final as coisas se amarram. Muito bom mesmo; senti um toque de Gaiman na narrativa, e isso só pode ser bom.

* * *