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quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Um trecho marcante de Machado de Assis


Ocorre-me uma reflexão imoral, que é ao mesmo tempo uma correção de estilo. Cuido haver dito, no capítulo XIV, que Marcela morria de amores pelo Xavier. Não morria; vivia. Viver não é a mesma cousa que morrer; assim o afirmam todos os joalheiros deste mundo, gente muito vista na gramática. Bons joalheiros, o que seria do amor se não fossem os vossos dixes e fiados? Um terço ou um quinto do universal comércio dos corações. Esta é a reflexão imoral que eu pretendia fazer, a qual é ainda mais obscura do que imoral, porque não se entende bem o que eu quero dizer. O que eu quero dizer é que a mais bela testa do mundo não fica menos bela, se a cingir um diadema de pedras finas; nem menos bela, nem menos amada.

Machado de Assis - Memórias postumas de Brás Cubas, 1881


quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Um trecho marcante de Alan Dean Foster


— Conheci seu pai quando ele era apenas um garoto, Luke. Ele era um grande piloto. Você vai se sair bem. Se tiver metade da pontaria de seu pai, fará um ótimo trabalho. 
— Obrigado, senhor. Vou tentar.
— Não há muita diferença, em termos de controle, entre um X-wing T-65 — o Líder Azul completou —, e um skyhooper. — Seu sorriso se tornou um tanto cruel. — Exceto que levam cargas de natureza um tanto diferentes. 
Ele os deixou e se apressou em direção à sua própria nave. Luke tinha centenas de perguntas, mas não havia tempo para fazer nenhuma. 
— Preciso embarcar em minha nave, Luke. Escute, você me conta suas histórias quando voltarmos. Certo?
— Certo. Eu disse a você que um dia chegava até aqui, Biggs.
— Você disse. — Seu amigo se dirigia a um grupo de caças, ajustando seu uniforme de voo. — Vai ser como nos velhos tempos, Luke. Somos dois cometas que ninguém consegue parar!
Luke sorriu. Eles costumavam usar esse grito de guerra quando pilotavam naves estelares feitas de dunas de areia e troncos caídos de árvores nas ruas de Anchorhead... anos e anos atrás.

Alan Dean Foster (publicado como George Lucas) - Star wars ep. IV: Uma nova esperança



terça-feira, 4 de agosto de 2015

Um trecho marcante de Carl Sagan


Sentia-se à vontade descrevendo-lhe seus devaneios, fragmentos de lembranças, problemas de infância. E Ken não só se interessava como se mostrava fascinado. Fazia perguntas sobre sua infância durante horas. Suas perguntas eram sempre diretas, às vezes minuciosas, mas invariavelmente delicadas. Ellie começou a entender por que os namorados falam um ao outro em tatibitate. Essa era a única situação socialmente aceitável em que a criança que existe dentro do adulto tem a permissão de se manifestar. Se tanto o bebê como a criança, o adolescente e o adulto encontram personalidades compatíveis no ser amado, há uma possibilidade real de que todas essas subpersonas fiquem felizes. O amor põe fim à longa solidão de cada uma delas. Talvez a profundidade do amor possa ser mensurada pelo número de diferentes egos envolvidos ativamente num determinado relacionamento.

Carl Sagan - Contato


Dentre todas as coisas que eu poderia esperar ler em Contato, esse tipo de tema certamente não era uma delas. Isso só prova o quão genial era o autor.


sábado, 1 de agosto de 2015

Mas é realismo mágico ou fantasia?

(Originalmente publicado no Papo de Cafeteria, republicado no Monomaníacos, discutido no CabulosoCast #122 - A (polêmica) literatura fantástica nacional, e gerou minha participação no CabulosoCast #149 - Realismo mágico)

Cena do filme A estrada, baseado no livro de Cormac McCarthy.

Existe muita confusão sobre o tal do gênero conhecido como realismo mágico. Como se pode ser realista quando se fala de alguma coisa mágica? Seria esse um gênero mainstream disfarçado de fantasia para vender mais, ou um jeito que a fantasia deu de se enfiar no meio mainstream? No que ele difere da ficção fantástica tradicional?

É aceito que o realismo mágico tenha surgido na América Latina com escritores como Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez, Julio Cortázar e outros — mas isso se considerarmos estritamente o gênero de prosa produzida por esses senhores. Contudo, existem muitos outros escritores — inclusive fora da América Latina — que fazem obras que, nitidamente, bebem das mesmas fontes desses pioneiros; seriam, então, assim, excluídos do “gênero” por não estarem na mesma sombra geográfica? Mas, espere (você pode se perguntar); se não for assim, como sempre me foi dito, como eu vou identificar o que é realismo mágico e o que é ficção fantástica, ou fantasia? Bom, para começar a polêmica, já começo defendendo de que tudo é ficção fantástica. Daí podemos subdividir em fantasia, ficção científica, realismo mágico, terror, new weird… E então chegamos ao cerne: qual a diferença entre realismo mágico e fantasia, e como identificá-los?

Comecemos pelo mais fácil — a fantasia. O que é uma obra de fantasia? Parece óbvio dizer que O senhor dos anéis do Tolkien é fantasia, assim como As crônicas de gelo e fogo do George Martin. Temos dragões, magia e mortos-vivos em ambos. A Torre Negra do Stephen King também; temos portais dimensionais, ora! Em Deuses americanos do Neil Gaiman temos, bem, deuses!, assim como em O inimigo do mundo do Leonel Caldela. Até aqui tudo bem. Se não houvesse esses elementos, esses mundos se desfigurariam completamente. Não há Terra Média sem magia, sem magos e sem orcs; não há Arton sem elfos, deuses e kobolds. A América de Deuses americanos é moldada pelo “mundo atrás do palco”, e o mundo d’O pistoleiro é uma versão do nosso. Retirando-se o Um Anel, Gandalf ou Sauron, ainda sobram inúmeros elementos fantásticos em O senhor dos anéis, pois essa obra é feita disso. Do mesmo modo, o mundo d’A Torre Negra seguiu adiante, com ou sem Roland Deschain. E Arton sem a Tormenta continua sendo Arton. Agora… poderíamos dizer que o mesmo acontece em obras como A estrada do Cormac McCarthy, Kafka à beira-mar do Haruki Murakami, A metamorfose do Franz Kafka, Memórias póstumas de Brás Cubas do Machado de Assis, A menina que roubava livros do Markus Zusak…? (Perceberam que não mencionei nenhum dos autores latinos supracitados, não é?)

É nítido e evidente que os elementos fantásticos estão presentes nessas obras. A estrada fala sobre um mundo pós-apocalíptico; em Kafka à beira-mar temos um senhor que fala com gatos (e eles se entendem mutuamente, fique claro) e outras coisinhas mais; o protagonista de A metamorfose vira um inseto gigante; e em Memórias póstumas de Brás Cubas e A menina que roubava livros, quem narra as estórias são, respectivamente, um morto e a Morte. Contudo, eu também pergunto: Sem esses elementos fantásticos, as histórias perdem suas importâncias? Vamos lá, a resposta é fácil: não. A estrada não é sobre o mundo apocalíptico; é sobre o amor de um pai pelo filho na adversidade extrema. Em qualquer outro cenário semelhante aquilo funcionaria tão bem quanto. Perdidos no deserto de Gobbi ou no Atacama, em Marte ou no Ártico. Memórias póstumas… e A menina… têm somente narradores incomuns, o que torna suas estórias únicas, mas elas são perfeitamente possíveis em nosso mundo real. A metamorfose é sobre a melancolia, sobre o sofrimento de um ser humano que não vê sua utilidade no mundo, e Kafka à beira-mar tem em seus elementos fantásticos apenas adornos de um algo maior. E assim também é com A revolução dos bichos do George Orwell, Ensaio sobre a cegueira do José Saramago, Horizonte perdido do James Hilton, Incidente em Antares do Érico Veríssimo…

Então, essa definição é a final? Claro que não. Muitos estudiosos — ou chatos, como preferirem — não admitem que o realismo mágico seja mais do que aquela literatura de nicho feita na América Latina. Isso, contudo, a meu ver, seria semelhante a dizer que não há fantasia fora da Europa ou ficção científica fora da literatura escrita em inglês.

É quase como dizer que Star wars é fantasia e não ficção científica, mesmo tendo uma explicação para a Força e alienígenas serem aceitos na ficção científica de O fim da infância do Arthur C. Clarke e não em… Bom, mas acho que esse assunto terá que ficar para um próximo artigo.

Ilustração para o livro A Torre Negra vol. 1: O pistoleiro.