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sábado, 15 de novembro de 2014

Um trecho marcante de Roberto Bolaño


A menção a Trakl fez Amalfitano pensar, enquanto dava uma aula de forma totalmente automática, numa farmácia que ficava perto de sua casa em Barcelona e a que costumava ir quando precisava de um remédio para Rosa. Um dos balconistas era um farmacêutico quase adolescente, extremamente magro e de óculos grandes, que de noite, quando a farmácia estava de plantão, sempre lia um livro. Uma noite Amalfitano perguntou a ele, para dizer alguma coisa enquanto o jovem procurava nas prateleiras, de que livros gostava e que livro era o que estava lendo naquele momento. O farmacêutico respondeu, sem se virar, que gostava de livros do tipo A metamorfose, Bartleby, Um coração simples, Um conto de Natal. Depois disse que estava lendo Bonequinha de luxo, de Capote. Sem considerar que Um coração simples e Um conto de Natal eram, como o nome deste último indicavam, contos e não livros, era revelador o gosto daquele jovem farmacêutico ilustrado, que talvez em outra vida tenha sido Trakl ou que nesta talvez ainda lhe estivesse reservado escrever poemas tão desesperados quanto seu distante colega austríaco, que preferia claramente, sem discussão, a obra menor à maior. Escolhia A metamorfose em vez de O processo, escolhia Bartleby em vez de Moby Dick, escolhia Um coração simples em vez de Bouvard e Pécuchet, e Um conto de Natal em vez de Um conto de duas cidades ou de As aventuras do sr. Pickwick. Que triste paradoxo, pensou Amalfitano. Nem mais os farmacêuticos ilustrados se atrevem a grandes obras, imperfeitas, torrenciais, as que abrem caminhos no desconhecido. Escolhem os exercícios perfeitos dos grandes mestres. Ou o que dá na mesma: querem ver os grandes mestres em sessões de treino de esgrima, mas não querem saber dos combates de verdade, nos quais os grandes mestres lutam contra aquilo, esse aquilo que atemoriza a todos nós, esse aquilo que acovarda e põe na defensiva, e há sangue e ferimentos mortais e fetidez.

Roberto Bolaño - 2666, 2004


Um comentário:

  1. A impressão que eu tenho é que Bolaño sabia apenas escrever livros que falam sobre livros. Não, isso não é um defeito.

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