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sábado, 22 de julho de 2017

Extemporâneo, de Alexey Dodsworth


Se há uma coisa que é difícil eu fazer é comprar livros na pré–venda. Sei lá, não vejo urgência em ter algo que não seja de primeira necessidade — e, queiramos ou não, livros não o são. Para que isso aconteça, ou eu tenho que estar esperando desesperadamente um lançamento — cof cof, Os ventos do inverno, cof cof — ou o preço da pré–venda tem que estar lá embaixo. Pois bem: com Extemporâneo não aconteceu nenhum dos dois. Então por quê, Rahmati, você comprou esse livro antes do lançamento?

Simples: porque Alexey Dodsworth se encaminha perigosamente para ser o meu autor de ficção científica nacional favorito. Só não o afirmo abertamente porque ele tem um páreo duro no Luiz Bras.


Extemporâneo conta a vida de uma pessoa como todos nós, que acordamos todo dia num corpo e numa realidade diferente. A grande diferença é que o/a protagonista se lembra disso e nós não. (Ou, ao menos, é isso o que o/a protagonista nos diz.) Mas por que eu estou usando esse “o/a”? Uai, eu não disse que ele/ela acorda todo dia num corpo diferente? Mas tem, ainda, um elemento complicador: não é “todo dia”. É sempre dia 14 de janeiro de 2015. Os dias passados e futuros são ilusões, histórias criadas — pelo seu cérebro ou não — para dar a impressão de continuidade. Pense: você sempre vive no hoje, não é? O ontem é uma lembrança — que pode não ser real —, e o amanhã é só — e sempre — uma expectativa.

Assim sendo, nosso(a) digníssimo(a) protagonista acorda, para começar o dia, no começo do livro, no corpo de George Becker, um brasileiro que vive em uma realidade onde o nazismo é a filosofia reinante no mundo, e há um homem, amarrado nu na sala de estar, sendo torturado pela namorada e por ele — ou, para ser mais exato, pelo “eu” em que ele acaba de cair. Como eu disse, o/a protagonista é diferente dos outros; ele/ela demora a retomar as memórias do novo corpo, e ainda está lutando, nesse início, com as memórias da dançarina espanhola de dança do ventre que era sua identidade antes de dormir.

Mas chega da história e vamos à narrativa. Dodsworth, naturalmente, a constrói com maestria. “Naturalmente” porque eu já esperava isso, por ter lido o excelente Dezoito de Escorpião. Os elementos da história vão sendo apresentados no ritmo certo e de maneira muito eficaz para manter o interesse e aumentar a tensão com a situação esdrúxula que o/a personagem passa. Ele escreve muito bem, também, sem usar de malabarismos para “enriquecer o texto” — o que, invariavelmente, acaba empobrecendo–o. Ele diz o que precisa dizer com as palavras necessárias, assim como Gaiman. A única ressalva aqui é quanto ao trabalho de revisão da editora Presságio, que deixou passar muitos (muitos mesmo!) errinhos de digitação e diagramação. (A minha cópia teve até mesmo um capítulo inteiro repetido.) Há de se ter muito mais atenção quanto a essas coisas, senhores editores e revisores.

No entanto, é claro que isso não diminui a qualidade da obra. Dei 5 de 5 estrelas no Skoob, porque de fato é isso que ela merece. Extemporâneo desconstrói preconceitos, clichês e expectativas de maneira deliciosamente perturbadora :)

Arte de Alexandra Calisto. Não é da obra, mas tem tudo a ver :)

Ah, e já ia esquecendo: quem leu o Dezoito de Escorpião vai gostar ainda mais de Extemporâneo :D


.: E este acabou sendo, sem querer, o quarto livro do Desafio Literário do Marcador de Páginas, de um total de 7 livros, por se encaixar no item “Um livro que se passe em diferentes reinos”! :.

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