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terça-feira, 15 de julho de 2014

Mundos opostos, de Juan Solanas


Assisti, pela segunda vez, o filme Mundos opostos (Upside down), de 2012, em DVD, e, após essa mais atenta avaliação, creio ter alguns comentários a fazer.


Esse foi um filme que, pelo menos aqui no Brasil, chegou sem propaganda. Eu, particularmente, nunca tinha ouvido falar, e olha que eu acompanho, senão os filmes, ao menos as notícias cinematográficas com certa assiduidade. Ele se trata de... uma ficção científica ou uma fantasia?... sobre dois jovens que se apaixonam e que são — literalmente — de mundos opostos; um planeta que coexiste com um outro, gêmeo, irmanado de alguma forma, próximos, mas próximos mesmo, um do outro, coisa de uns 500 metros de distância. Pelas leis naturais desse sistema, a gravidade de um não influi no outro, e qualquer objeto de um mundo não é afetado pela gravidade do outro. Além disso, se um corpo qualquer de um mundo ficar em contato com um corpo qualquer do outro, depois de um certo tempo, cerca de 1 hora, eles entram em combustão. Tudo bem; suspensão da descrença; isso é fácil de fazer após se acostumar com a ideia, e acaba funcionando bem se você imerge naquele(s) mundo(s), e isso é um puta ponto a favor da história — super original, criativa e inventiva.

Outro ponto ainda que posso parabenizar é a estrutura narrativa do filme. Ainda que dê, de fato, a impressão que foi adaptado de uma história maior, um livro talvez (confesso que procurei depois na internet pensando tê-lo sido, mas não foi), pode-se perceber a fuga da fórmula narrativa hollywoodiana atual; tudo transcorre quase como uma fábula. O final, inclusive, reforça essa impressão, e se o diretor Juan Solanas realmente desejou que assim fosse, parabéns para ele. As atuações de Jim Sturgess e Kirsten Dunst são ótimas para os personagens protagonistas, também.

A questão é... Mesmo para os padrões da física proposta nessa história, algumas coisas parecem meio fora de lugar. Não entendam isso como algo que realmente atrapalhe a apreciação da obra, mas, para autores como eu, que têm que se preocupar com os mínimos detalhes para que um mundo seja verossímil, isso incomoda um pouco. Como, por exemplo, nos momentos em que o personagem Adam está "no outro mundo". Por mais que ele esteja sendo preso lá pelos pesos, ele ainda está de cabeça para baixo; assim, imaginem o desconforto que ele estaria sentindo...? Comer qualquer coisa então... Me pareceria praticamente impossível.

É claro que se abre mão de certas coisas por causa da tal "licença poética" — e de poesia esse filme entende, porque ô fotografia bonita! —, mas ainda acho que um pouquinho mais de cuidado com o produto final nunca fez mal a ninguém.

«««/5

sábado, 12 de julho de 2014

Memórias de minhas putas tristes, de Gabriel García Márquez


Acabei de ler Memórias de minhas putas tristes, do Márquez — uma leitura rápida e prazerosa; um livro curtinho e tranquilo, e que, contrariando minhas expectativas, se revelou muito, muito divertido!

Não vou falar sobre o autor; sua qualidade é indiscutível, e pouco ou nada eu poderia acrescentar sobre ele. Só posso dizer que já me conquistou pela primeira obra que li dele. Olho agora com melhores olhos para o Cem anos de solidão que está parado na minha estante há tempos. O que é realmente interessante comentar é a história, onde um homem de noventa anos — que, a exemplo d'O oceano no fim do caminho, que só percebi o protagonista não ter nome após acabar de ler a obra — resolve ter, para comemorar, uma noite de amor com uma adolescente virgem. Claro que eu não vou revelar o desenrolar da trama, mas é — curiosamente — de uma pureza e simplicidade tão tocante que chega a ser encantadora. É um daqueles livros que você lê com um sorriso no rosto, e, quando terminar, pensa: "que legal!".

Não sei se dá para julgar o escritor já por essa obra, mas, de qualquer forma, me encantei com a forma como ele escolhe para dizer o que tem para dizer; e nada mais, e nada menos.


««««/5

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Um trecho marcante de Victor Hugo #4


O homem é o paciente dos acontecimentos. A vida é um perpétuo sucesso, imposto ao homem. O homem não sabe de que lado virá a brusca descida do acaso. As catástrofes e as felicidades entram e saem como personagens inesperadas. Têm a sua fé, a sua órbita, a sua gravitação fora do homem. A virtude não traz a felicidade, o crime não traz a desgraça; a consciência tem uma lógica, a sorte tem outra; nenhuma coincidência. Nada pode ser previsto. Vivemos de atropelo. A consciência é a linha reta, a vida é o turbilhão. O turbilhão atira à cabeça do homem caos negros e céus azuis. A sorte não tem a arte das transições. Às vezes a vida anda tão depressa que o homem mal distingue o intervalo de uma peripécia a outra e o laço de ontem a hoje.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Os trabalhadores do mar, de Victor Hugo


Ler Victor Hugo não pode ser considerado um ato de entretenimento, eu acho; é, antes, uma experiência. Para mim, é perfeitamente clara a diferença entre ele, enquanto escritor, e outros autores, enquanto contadores de histórias. É o tipo de escritor que consegue construir uma obra relevante e interessante sobre qualquer coisa, ou sobre o nada. E sim, consegue, no presente, porque é imortal. Ler Victor Hugo é como ouvi-lo nos falar, dissertar sobre a natureza das coisas, e perceber não ter qualquer argumento para rebatê-lo.

Os trabalhadores do mar é aquela que alguns dizem ser sua obra-prima. Outros defendem ser, naturalmente, Os miseráveis, a mais midiática talvez, e outros ainda Nossa Senhora de Paris, mais conhecida como O corcunda de Notre-Dame, mas eu, particularmente, duvido que ele tenha alguma obra menos melhor que a outra. Ainda não li as outras — pecado que pretendo reparar em breve —, mas essa que acabei de ler é, sem dúvida, uma das melhores ficções não fantásticas (no sentido da FC&F) que li em minha vida.

Não bastasse ser um excelente filósofo, por assim dizer; um excelente observador da vida e de igual perícia em descrevê-la com palavras; ele é, ainda, um ótimo narrador da ação, quando ela toma espaço na história. Tem perfeito domínio do que quer causar em seu leitor, seja admiração, espanto, desilusão ou nervosismo — como na cena com a pieuvre; quem leu há de saber. Sem dúvida, era algo que eu não esperava, e causou uma tensão terrível e magistralmente construída.

Do meio para o final do livro, da forma em que a história se desenvolve, eu já imaginava que o final não poderia ser exatamente feliz, mas de forma alguma previa a virada do rumo das coisas daquela maneira. Não que tenha sido triste, ou errado; apenas foi um final real — que é exatamente o que mais gosto nas histórias, seja lá de qual forma ela forem contadas. A escrita de Victor Hugo parece ser a vida real em sua essência, com os seus melhores e piores aspectos, como se, por uma mágica, ela fosse transportada para o papel.

E, afinal, talvez seja mesmo isso o que ele fez — o que ele faz: mágica. Ele apenas nos engana ao escrever; o que em verdade faz é criar um portal temporal que nos leva diretamente àquela realidade, filtrada por seus olhos para que pareça ainda mais real, bela e admirável.


««««/5

Um trecho marcante de Victor Hugo #3


De ordinário, o mar oculta os seus lances. Conserva-se voluntariamente obscuro. A incomensurável sombra guarda tudo para ele. É raro que o mistério renuncie ao segredo. Há um quê de monstro na catástrofe, mas em quantidade ignota. O mar é patente e secreto; esconde-se, não quer divulgar as suas ações. Produz um naufrágio e abafa-o; engolir é o seu pudor. A vaga é hipócrita; mata, rouba, sonega, ignora e sorri. Ruge, depois abranda-se.

domingo, 6 de julho de 2014

Um trecho marcante de Victor Hugo #2


Ante os mais graves dogmas, ostentava–se quase sem reservas a irreligião de Lethierry. Deu-se o acaso de ser levado a ouvir um sermão acerca do inferno, pregado pelo Reverendo Jaquemin Herodes, sermão magnífico, empachado de textos sagrados, que provavam as penas eternas, os suplícios, os tormentos, as condenações, os castigos inexoráveis, os fogaréus sem fim, as maldições inextinguíveis, as cóleras do Onipotente, os furores celestes, as vinganças divinas, coisas incontestáveis; Lethierry ouviu o sermão e, ao sair com um dos fiéis, disse–lhe baixinho: “Ora, quer ver? Eu cá tenho uma ideia ratona. Suponho que Deus é bom.”
Adquiriu esse germe de ateísmo quando residiu na França.
Victor Hugo - Os trabalhadores do mar 

O humor de Victor Hugo é um negócio genial, não é mesmo?

E qualquer coisa —até mesmo a primorosa narrativa dele e a igualmente primorosa tradução do Machado de Assis— fica exponencialmente melhor com o humor =)


quinta-feira, 3 de julho de 2014

Por que abandonar um livro?


É claro que sei que cada um tem seus motivos para abandonar um livro, e que alguns também relutam em fazê-lo, mas isso é coisa que aprendi a fazer sem remorsos. Li, com acerto, que nosso tempo, para ler tudo o que queremos, é curto; assim, não se deve hesitar em abandonar uma leitura que não te dá prazer.

Para mim, é por isso que abandono um livro: quando ele não me dá prazer. Não estou falando da história ser fraca ou a escrita ser pobre; estou falando, simplesmente, de não se deliciar com a leitura, com a literatura. Isso às vezes se dá por um ou outro desses motivos citados, mas às vezes por outros diversos. Abandonei Novelas exemplares do Cervantes não por causa do estilo, mas por não gostar das histórias relatadas; abandonei Linha do tempo do Crichton porque não gostei do estilo apesar de a trama ser legal, mas a obra mais recente da qual desisti... Infelizmente dá até desgosto, e estou falando dos Fios de prata do Raphael Draccon.

Por que "infelizmente"? Porque, sinceramente — e não sei isso aconteceu se por causa da fama e do prestígio do autor —, foi uma obra que — até onde eu li, devo admitir —, em minha opinião, careceu de revisão. Parece-me que faltou alguém que dissesse: isso está mal escrito; isso não faz sentido; esse efeito foi repetido muitas vezes em páginas seguidas; a pontuação dessa frase está errada/malfeita/esdrúxula. Não é porque o cara é famoso que não pode ouvir esse tipo de coisa, e, nessa obra em questão, parece que foi isso o que aconteceu. A ideia, como já foi exaustivamente discutido na internet, é boa, é interessante, mas a execução, me parece, necessitou de um desenvolvimento e de uma revisão mais cuidadosos. Muito mais cuidadosos. Isso é o tipo de coisa que — creio — acaba por atrapalhar o status a que a literatura fantástica ascendeu; quando um autor que já publicou, com boas vendas, quatro livros, três de uma saga da qual já li o primeiro e gostei muito e um outro que também li e gostei, com algumas ressalvas, quando esse autor publica um quinto livro — ao que me parece — apenas com a força de seu nome... Pode ser que eu esteja sendo injusto, mas não creio que esse texto teria passado pelo crivo das editoras se tivesse um outro nome, sem tipologia própria, em sua capa, ali, perto do título.

É só o que eu acho, e por ser isso mesmo, o que eu acho, que eu abandonei essa leitura. Acredito que a trama possa mesmo ser boa, mas não acredito que mereça — por causa de tantos erros — ter meu tempo em detrimento de outros escritores muito mais cuidadosos, nacionais inclusive, que aguardam em minha estante. E, mais uma vez, vale lembrar, abandonei Michael Crichton pelo mesmíssimo motivo — e ainda bem que minha opinião não vale de nada para o autor, que tem uma base já bem estabelecida de fãs, assim como o estadunidense.