“Acordei e não quis um homem pra beijar, um deus pra orar ou uma mensagem de fé. Quis o abraço de Mamãe: que chegasse pela porta, portando o sorriso que nunca vi em seu rosto, os elogios sempre engasgados, os olhos ternos e maternos escondidos atrás da carranca evangélica e os ouvidos atentos como jamais estiveram, usando vestido colorido, cabelo solto, por que não, um pouco da maquiagem? Trazendo um presente, ou um pedaço de bolo, talvez um refrigerante e um filme.
Pobre de mim, se viesse, seria de saia jeans, ombros caídos, cabelos longos e presos, quase ensebados, cara de quem não vê água há semanas e cheiro de quem nunca viu, quase que podre, como se estivesse largada pra morrer. Passos lentos porque não há pressa quando se tem a eternidade. Voz estridente, firme, de quem nunca titubeia ou baila, sempre reta e íntegra, não há desvio! Fato para ela é algo inexistente, beira o mito, o risível, tudo é fator de opinião e a sua, sempre, a correta, pois é deus quem vigia: tá na bíblia, tá nos anais!
Mamãe jamais falaria anais, é lógico, preferia chamar de cuzinho. Mas disso o senhor já sabe.”
Gustavo Magnani — Ovelha: Memórias de um pastor gay, 2015
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