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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

A cidade & a cidade, de China Miéville

(Resenha originalmente publicada no site A Hora do Chá)

Creio que existam dois tipos de escritores: aqueles que pegam temas e/ou histórias já conhecidas e dão sua visão particular — e não estou falando de “recriar histórias”; estou falando de usar temas e sentimentos e acontecimentos comuns e dar a eles sua visão toda pessoal — e existem aqueles que criam algo totalmente novo.

A cidade & a cidade, de China Miéville, é uma criação de um desses escritores do segundo tipo — e uma das histórias mais impressionantemente criativas que li nos últimos tempos. Pode até já existir algo semelhante ao que é nela apresentado, mas eu confesso desconhecê–lo. E isso, para um leitor ávido como eu, acreditem, é grande coisa. Mas o que tem de tão original assim?, vocês devem estar se perguntando.

Acontece que a trama se passa em Besźel e em Ul Qoma. Ao mesmo tempo, porque são a mesma cidade. Ocupando o mesmo espaço físico. E é crime ver a outra cidade. Aliás — não ver é impossível, claro; então, as pessoas têm que desver. Desouvir. Mais ou menos como “fazer de conta” que não está vendo. Agora imagine a dificuldade de perceber o que é de uma cidade e o que é da outra… Se você for analisar bem, perceberá que isso tem grande chance de dar merda — e é claro que dá; senão, não haveria livro, certo? E que baita livro! Porque, além disso tudo — além de ter uma baita premissa de ficção científica —, ele é um soberbo livro policial! Sim, policial: como resolver o problema de uma mulher que aparece morta numa área total de Besźel (porque existem áreas cruzadas de ambas), sendo que ela morava em Ul Qoma? Só colocando em cena um detetive fodão como o das histórias clássicas policiais.

E esse homem é o inspetor Tyador Borlú, de Besźel.

Contudo, se fosse só isso, estaria fácil. Ele tem que tomar extremo cuidado para não fazer brecha em sua investigação — ver, ouvir ou sequer notar algo da outra cidade — e, assim, tentar evitar ser pego pela força quase mística conhecida como Brecha, que fiscaliza o cumprimento das regras da separação das cidades. A brecha é o crime maior em Besźel/Ul Qoma — maior do que matar, roubar ou traficar. Faça tudo isso, mas não atravessando de uma cidade para a outra ilegalmente — o que pode ser simplesmente atravessando uma rua ou jogando uma migalha para um animal que está brutopicamente perto (ao seu lado, mas na outra cidade).

A cidade & a cidade é um livro muito bem escrito, ainda que seja mal escrito, e muito bem traduzido em sua péssima tradução. Explico: é como se o inspetor Borlú tivesse narrado sua história no idioma de sua cidade, o besz, e depois traduzido ele mesmo para o inglês, língua que ele não domina — então, certos erros são esperados. Assim, Fábio Fernandes faz uma excelente má tradução para o português, respeitando esses enganos linguísticos do personagem principal/narrador e respeitando a genialidade do escritor China Miéville.

Inclusive, vou ler mais um livro dele para ter certeza — provavelmente o Estação Perdido —, mas Miéville parece ter grandes chances de entrar no seleto rol que inclui autores como Chuck Pahlaniuk e Haruki Murakami: aquele dos quais se tem a certeza de que qualquer obra que se ler será perturbadoramente deleitosa, que fará repensar seu próprio cotidiano e que terá o selinho de garantia de “seu tempo não será perdido”.

Bem; talvez sua sanidade, mas não o seu tempo ;)

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