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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Conto: Uma recorrente decepção


Escondido num canto, ouvindo a respiração pesada e os passos trovejantes do monstro, ele evitava pensar no pior. Era inevitável, claro. A cada resmungo, a cada irritação, a cada soco em algo ou em alguém o teto sobre ele tremia e pó descia sobre seu chapéu. Fora ele quem se prontificara a —não; na verdade, quem insistira em— ir atrás dela. Não que não confiasse no Escolhido, mas podia confiar desconfiando. Se recusava ao raciocínio fácil de que isso implicava ficar esperando e torcendo apenas. Claro que havia um ou outro que ajudava mais ativamente, mas, ainda assim, dependiam exclusivamente do sucesso dele; se ele parasse, todos parariam junto.

Menos ele.

Os guardas esqueléticos passaram, lanças pontiagudas em mão. Ele tinha uma janela de poucos minutos antes que voltassem, então se lançou para fora do esconderijo. O ar estava quente e úmido, difícil de respirar. Correu o mais rápido que suas curtas pernas permitiam, evitando encostar nos dutos metálicos que fritariam sua pele ao menor resvalo. O líquido quente como lava corria em direção às máquinas infernais que eram construídas em segredo nos andares do subsolo, atraentes para o seu intelecto e seu senso investigativo, mas sua prioridade era clara, e ele não podia se desviar dela. Não agora, ao menos.

Quase não conseguiu passar a tempo de não se esturricar na armadilha giratória, automática quando os guardas não estavam por perto. Queimou uma beirada da jaqueta, mas conseguiu se jogar por baixo da morte que descia em sua direção, escorregando pelo chão e ralando as costas. Ao menos estava agora no último setor da fortaleza.

Era impressionante como até os guardas tinham medo do chefe, pensou, sorrindo (mas de nervoso) — aquele setor estava praticamente deserto. Pelo duto do teto em que ele descera, podia perceber que só haviam dois guardas, e no extremo oposto ao reduto do chefão, o mais longe possível dele. Sabia que o todo–poderoso do mal tinha sua entrada secreta para o próprio salão, mas, pela agora ausência de gritos e tremores, parecia certo que ele não estivesse lá.

Aproveitou–se de um curto instante em que os guardas não estavam olhando e deixou–se cair no piso de pedra cinzenta, ocultando–se em uma reentrância. Ele conhecia o mapa da fortaleza, então esgueirou–se pelo chão irregular, que emulava uma caverna natural. Arrastou–se os últimos metros e pendurou–se por debaixo da ponte que dava acesso ao salão final, suando em bicas porque, afinal, como todo bom dragão do mal o tal gostava de reforçar a mensagem — e nada melhor para isso do que cercar seus aposentos com um lago daquele líquido parecido com lava. Chegou ao final extenuado, mas não podia perder tempo. Saltou para a plataforma onde ficava a enorme porta de madeira e ferro, mas… não havia nada visível que a abrisse. Escondido, quase perdeu as esperanças, mas acabou deixando o pânico dar lugar a uma risada genuína — tinha se lembrado de que o mecanismo para abrir a porta estava oculto na estrutura do final da ponte. Levantou–se para avançar novamente até lá… e derrubou a lanterna que estava no bolso interno da jaqueta. Prendeu a respiração, mas como ele não estava lá, podia…

O QUE FOI ISSO?!”, grunhiu o “ele”, facilmente audível do outro lado da colossal porta. O susto fez com que o infiltrado paralisasse. Alguém respondeu algo, mas essa fala não foi inteligível. O infiltrado até respirava com cuidado. “É ÓBVIO QUE É UM BARULHO, IMBECIL.” Apesar da voz de trovão, ele não estava gritando, nem vindo abrir a porta para checar. Estaria… preocupado? Teria o Escolhido chegado, já? O infiltrado olhou ao redor, mas não viu nada que o sugerisse. “LEVE–A”, ouviu novamente. “EU MESMO VOU… CUIDAR DISSO.” E a porta se abriu, rangendo como estivesse sendo arrancada das profundezas. O infiltrado mal teve tempo de se jogar de lado antes que o imenso dragão passasse por ele. Ficou ali, de guarda, na ponte, de costas para ele. Uma ideia então passou pela cabeça do infiltrado: e se…?

Jogou–se por debaixo da porta no último instante, preparado para lutar com o que quer que o aguardasse ali, mas tudo o que viu foi o vestido dela desaparecendo por uma passagem secreta, que se fechou na parede de pedra. Tateou, esmurrou, mas nada aconteceu — ela se fora. Tão próxima… Já ouvia os sons da luta do lado de fora, mas que diferença fazia? Sentou–se no chão, apenas, respirando, de olhos fechados, reunindo os cacos…

Mas esses cacos eram orgulhosos. Ele não daria ao Escolhido a satisfação de descobrir que ele também tinha chegado atrasado. Que esse peso fosse maior para o Escolhido. Encontrou o grande saco que fora usado, certamente, para raptar a princesa, e meteu–se lá dentro. Depois que o rugido foi ouvido, depois que a porta foi erguida, e depois que o saco foi aberto, suas escoriações e rasgos confirmaram o panorama.

— Obrigado — disse então, vendo a decepção nos olhos do Escolhido. — Mas nossa princesa está em outro castelo.



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